Em conversas ocorridas em março
passado, o ministro do Planejamento, senador licenciado Romero Jucá (PMDB-RR),
sugeriu ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado que uma
"mudança" no governo federal resultaria em um pacto para
"estancar a sangria" representada pela Operação Lava Jato, que
investiga ambos.
Gravados de forma oculta, os
diálogos entre Machado e Jucá ocorreram semanas antes da votação na Câmara que
desencadeou o impeachment da presidente Dilma Rousseff. As conversas somam
1h15min e estão em poder da PGR (Procuradoria-Geral da República).
O advogado do ministro do
Planejamento, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou que seu
cliente "jamais pensaria em fazer qualquer interferência" na Lava
Jato e que as conversas não contêm ilegalidades.
Machado passou a procurar líderes do
PMDB porque temia que as apurações contra ele fossem enviadas de Brasília, onde
tramitam no STF (Supremo Tribunal Federal), para a vara do juiz Sergio Moro, em
Curitiba (PR).
Em um dos trechos, Machado disse a
Jucá: "O Janot está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.
[...] Ele acha que eu sou o caixa de vocês".
Na visão de Machado, o envio do seu
caso para Curitiba seria uma estratégia para que ele fizesse uma delação e
incriminasse líderes do PMDB.
Machado fez uma ameaça velada e
pediu que fosse montada uma "estrutura" para protegê-lo: "Aí
fodeu. Aí fodeu para todo mundo. Como montar uma estrutura para evitar que eu
'desça'? Se eu 'descer'...".
Mais adiante, ele voltou a dizer:
"Então eu estou preocupado com o quê? Comigo e com vocês. A gente tem que
encontrar uma saída".
Machado disse que novas delações na
Lava Jato não deixariam "pedra sobre pedra". Jucá concordou que o
caso de Machado "não pode ficar na mão desse [Moro]".
O atual ministro afirmou que seria
necessária uma resposta política para evitar que o caso caísse nas mãos de
Moro. "Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra. Tem
que mudar o governo para estancar essa sangria", diz Jucá, um dos
articuladores do impeachment de Dilma. Machado respondeu que era necessária
"uma coisa política e rápida".
"Eu acho que a gente precisa
articular uma ação política", concordou Jucá, que orientou Machado a se
reunir com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e com o
ex-presidente José Sarney (PMDB-AP).
Machado quis saber se não poderia ser feita reunião conjunta. "Não pode", disse Jucá, acrescentando que a ideia poderia ser mal interpretada.
Machado quis saber se não poderia ser feita reunião conjunta. "Não pode", disse Jucá, acrescentando que a ideia poderia ser mal interpretada.
O atual ministro concordou que o
envio do processo para o juiz Moro não seria uma boa opção. "Não é um
desastre porque não tem nada a ver. Mas é um desgaste, porque você, pô, vai
ficar exposto de uma forma sem necessidade."
E chamou Moro de "uma 'Torre de
Londres'", em referência ao castelo da Inglaterra em que ocorreram
torturas e execuções entre os séculos 15 e 16. Segundo ele, os suspeitos eram
enviados para lá "para o cara confessar".
Jucá acrescentou que um eventual
governo Michel Temer deveria construir um pacto nacional "com o Supremo,
com tudo". Machado disse: "aí parava tudo". "É. Delimitava
onde está, pronto", respondeu Jucá, a respeito das investigações.
O senador relatou ainda que havia
mantido conversas com "ministros do Supremo", os quais não nominou.
Na versão de Jucá ao aliado, eles teriam relacionado a saída de Dilma ao fim
das pressões da imprensa e de outros setores pela continuidade das
investigações da Lava Jato.
Jucá afirmou que tem "poucos
caras ali [no STF]" ao quais não tem acesso e um deles seria o ministro
Teori Zavascki, relator da Lava Jato no tribunal, a quem classificou de
"um cara fechado".
Machado presidiu a Transpetro,
subsidiária da Petrobras, por mais de dez anos (2003-2014), e foi indicado
"pelo PMDB nacional", como admitiu em depoimento à Polícia Federal.
No STF, é alvo de inquérito ao lado de Renan Calheiros.
Dois delatores relacionaram Machado
a um esquema de pagamentos que teria Renan "remotamente, como
destinatário" dos valores, segundo a PF. Um dos colaboradores, Paulo
Roberto Costa disse que recebeu R$ 500 mil das mãos de Machado.
Jucá é alvo de um inquérito no STF
derivado da Lava Jato por suposto recebimento de propina. O dono da UTC,
Ricardo Pessoa, afirmou em delação que o peemedebista o procurou para ajudar na
campanha de seu filho, candidato a vice-governador de Roraima, e que por isso
doou R$ 1,5 milhão.
O valor foi considerado
contrapartida à obtenção da obra de Angra 3. Jucá diz que os repasses foram
legais.
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LEIA TRECHOS DOS DIÁLOGOS
Data das conversas não foi
especificada
SÉRGIO MACHADO - Mas viu, Romero, então eu acho a situação
gravíssima.
ROMERO JUCÁ - Eu ontem fui muito claro. [...] Eu só acho o
seguinte: com Dilma não dá, com a situação que está. Não adianta esse projeto
de mandar o Lula para cá ser ministro, para tocar um gabinete, isso termina por
jogar no chão a expectativa da economia. Porque se o Lula entrar, ele vai falar
para a CUT, para o MST, é só quem ouve ele mais, quem dá algum crédito, o resto
ninguém dá mais credito a ele para porra nenhuma. Concorda comigo? O Lula vai
reunir ali com os setores empresariais?
MACHADO - Agora, ele acordou a militância do PT.
JUCÁ - Sim.
MACHADO - Aquele pessoal que resistiu acordou e vai dar
merda.
JUCÁ - Eu acho que...
MACHADO - Tem que ter um impeachment.
JUCÁ - Tem que ter impeachment. Não tem saída.
MACHADO - E quem segurar, segura.
JUCÁ - Foi boa a conversa mas vamos ter outras pela
frente.
MACHADO - Acontece o seguinte, objetivamente falando, com
o negócio que o Supremo fez [autorizou prisões logo após decisões de segunda
instância], vai todo mundo delatar.
JUCÁ - Exatamente, e vai sobrar muito. O Marcelo e a
Odebrecht vão fazer.
MACHADO - Odebrecht vai fazer.
JUCÁ - Seletiva, mas vai fazer.
MACHADO - Queiroz [Galvão] não sei se vai fazer ou não. A
Camargo [Corrêa] vai fazer ou não. Eu estou muito preocupado porque eu acho
que... O Janot [procurador-geral da República] está a fim de pegar vocês. E
acha que eu sou o caminho.
[...]
JUCÁ - Você tem que ver com seu advogado como é que a
gente pode ajudar. [...] Tem que ser política, advogado não encontra
[inaudível]. Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra...
Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.
[...]
MACHADO - Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel
[Temer].
JUCÁ - Só o Renan [Calheiros] que está contra essa
porra. 'Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente,
esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.
MACHADO - É um acordo, botar o Michel, num grande acordo
nacional.
JUCÁ - Com o Supremo, com tudo.
MACHADO - Com tudo, aí parava tudo.
JUCÁ - É. Delimitava onde está, pronto.
[...]
MACHADO - O Renan [Calheiros] é totalmente 'voador'. Ele
ainda não compreendeu que a saída dele é o Michel e o Eduardo. Na hora que
cassar o Eduardo, que ele tem ódio, o próximo alvo, principal, é ele. Então
quanto mais vida, sobrevida, tiver o Eduardo, melhor pra ele. Ele não
compreendeu isso não.
JUCÁ - Tem que ser um boi de piranha, pegar um cara, e
a gente passar e resolver, chegar do outro lado da margem.
MACHADO - A situação é grave. Porque, Romero, eles querem
pegar todos os políticos. É que aquele documento que foi dado...
JUCÁ - Acabar com a classe política para ressurgir,
construir uma nova casta, pura, que não tem a ver com...
MACHADO - Isso, e pegar todo mundo. E o PSDB, não sei se
caiu a ficha já.
JUCÁ - Caiu. Todos eles. Aloysio [Nunes, senador], [o
hoje ministro José] Serra, Aécio [Neves, senador].
MACHADO - Caiu a ficha. Tasso [Jereissati] também caiu?
JUCÁ - Também. Todo mundo na bandeja para ser comido.
[...]
MACHADO - O primeiro a ser comido vai ser o Aécio.
JUCÁ - Todos, porra. E vão pegando e vão...
MACHADO - [Sussurrando] O que que a gente fez junto,
Romero, naquela eleição, para eleger os deputados, para ele ser presidente da
Câmara? [Mudando de assunto] Amigo, eu preciso da sua inteligência.
JUCÁ - Não, veja, eu estou a disposição, você sabe
disso. Veja a hora que você quer falar.
MACHADO - Porque se a gente não tiver saída... Porque não
tem muito tempo.
JUCÁ - Não, o tempo é emergencial.
MACHADO - É emergencial, então preciso ter uma conversa
emergencial com vocês.
JUCÁ - Vá atrás. Eu acho que a gente não pode juntar
todo mundo para conversar, viu? [...] Eu acho que você deve procurar o
[ex-senador do PMDB José] Sarney, deve falar com o Renan, depois que você falar
com os dois, colhe as coisas todas, e aí vamos falar nós dois do que você achou
e o que eles ponderaram pra gente conversar.
MACHADO - Acha que não pode ter reunião a três?
JUCÁ - Não pode. Isso de ficar juntando para combinar
coisa que não tem nada a ver. Os caras já enxergam outra coisa que não é... Depois
a gente conversa os três sem você.
MACHADO - Eu acho o seguinte: se não houver uma solução a
curto prazo, o nosso risco é grande.
MACHADO - É aquilo que você diz, o Aécio não ganha porra
nenhuma...
JUCÁ - Não, esquece. Nenhum político desse tradicional
ganha eleição, não.
MACHADO - O Aécio, rapaz... O Aécio não tem condição, a
gente sabe disso. Quem que não sabe? Quem não conhece o esquema do Aécio? Eu,
que participei de campanha do PSDB...
JUCÁ - É, a gente viveu tudo.
JUCÁ - [Em voz baixa] Conversei ontem com alguns
ministros do Supremo. Os caras dizem 'ó, só tem condições de [inaudível] sem
ela [Dilma]. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela,
essa porra não vai parar nunca'. Entendeu? Então... Estou conversando com os
generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão
garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar.
MACHADO - Eu acho o seguinte, a saída [para Dilma] é ou
licença ou renúncia. A licença é mais suave. O Michel forma um governo de união
nacional, faz um grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo. Esse país
volta à calma, ninguém aguenta mais. Essa cagada desses procuradores de São
Paulo ajudou muito. [referência possível ao pedido de prisão de Lula pelo
Ministério Público de SP e à condução coercitiva ele para depor no caso da Lava
jato]
JUCÁ - Os caras fizeram para poder inviabilizar ele de
ir para um ministério. Agora vira obstrução da Justiça, não está deixando o
cara, entendeu? Foi um ato violento...
MACHADO -...E burro
[...] Tem que ter uma paz, um...
JUCÁ - Eu acho que tem que ter um pacto.
[...]
MACHADO - Um caminho é buscar alguém que tem ligação com o
Teori [Zavascki, relator da Lava Jato], mas parece que não tem ninguém.
JUCÁ - Não tem. É um cara fechado, foi ela [Dilma] que
botou, um cara... Burocrata da... Ex-ministro do STJ [Superior Tribunal de
Justiça].
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