O governo diz que o déficit da Previdência este ano será R$ 149,7 bilhões de reais. É mentira. É uma ficção contábil que tem dois objetivos: garantir aos bancos e especuladores o pagamento dos juros mais altos do planeta, e privatizar a previdência no Brasil. Não tem nada a ver com viabilizar a aposentadoria dos brasileiros no futuro. Nem com “fechar as contas”. Não se trata de ser a favor ou contra Temer, não tem nada a ver com Dilma, não é questão partidária. É questão de matemática. De justiça. E de levarmos a sério o futuro do país.
Primeiro: não há porque a Previdência “fechar as contas”. É como dizer "a conta da escola pública não fecha". Ou "a conta de aplicar vacina em bebês não fecha". Não é para fechar, muito menos para “dar lucro”. A vida das pessoas não é um negócio. Aposentadoria não é um custo. É um reinvestimento do imposto na própria sociedade que pagou o imposto. Investimento no bem-estar dos brasileiros, que deve ser prioritário, acima de qualquer outro. Com impacto direto na saúde, na educação, na segurança.
Segundo: a "reforma" é ineficiente. Se o governo quiser de fato botar as contas do país no azul, precisa é pagar menos juros e aumentar a arrecadação. O Brasil pagará mais de R$ 500 bilhões de juros esse ano! Derrubar os juros deveria ser a prioridade zero deste e qualquer outro governo, mas sempre encontram uma razão para que eles continuem nas alturas. Quem sabe é porque nossos governos sempre terceirizam a administração da economia para funcionários dos bancos, Meirelles, Ilan, Levy etc. Afinal, são os próprios bancos os maiores credores do governo, e são os bancos que ficarão com a maior parte desses R$ 500 bilhões.
Quanto a aumentar a arrecadação, ajudaria bem acabar com tanta desoneração e tanta sonegação, inclusive os sonegadores da previdência. Ajudaria cobrar o que as empresas devem para o governo. E aproximar dos padrões internacionais o imposto de renda e o imposto de herança, e, como se faz em todo o mundo, taxar os dividendos que as empresas pagam a seus acionistas. Nossa elite é a menos taxada do planeta.
Terceiro: o brasileiro normal, os 99% de nós que pouco apitamos, paga imposto pra caramba. Quanto mais pobre, mais paga, proporcionalmente, porque tudo que a gente compra embute imposto, do feijão ao remédio à eletricidade, todos os produtos e todos os serviços. Essa grana deveria ser reinvestida na própria população, e não em pagar juros e outras tantas bandalheiras. É imoral Meirelles e companhia dizer que não há dinheiro pra nossos velhos, quando existe dinheiro para construir estádios bilionários (que hoje estão apodrecendo), enriquecer empreiteiros corruptores e toda aquela lista de sujeiras que estamos cansados de saber.
Quarto: se aprovada essa lei, todo mundo que tiver o mínimo de condição vai para a previdência privada. O que o governo vai exigir pra gente se aposentar vai ser muito difícil de cumprir, e em troco de uma porcaria de dinheiro na velhice. A economista Denise Gentil, da URFJ, levantou um número impressionante: entre janeiro e outubro de 2016, os bancos venderam 21% a mais de planos nos fundos privados. Isso só por causa da perspectiva de aprovação dessa nova lei. Aprovada, vai gerar um lucro gigante para os bancos.
Finalmente, é inútil qualquer mudança na Previdência que não leve em consideração as projeções para o mercado de trabalho nas próximas décadas. Essa proposta do governo vai na exata direção contrária do que há de mais moderno em termos de política social: a Renda Mínima. Ou, como se fala em inglês, Universal Basic Income, UBI. Trata-se de simplificar a burocracia e dar dinheiro diretamente para os cidadãos. Em vez de um monte de programas para combater a pobreza, um chequinho todo mês.
É a discussão do momento nos círculos mais informados, da direita, da esquerda, do libertário Vale do Silício à vanguarda futurista-socialista da Europa. Está sendo testada, de diversas maneiras, em diversos lugares do mundo. Em vez do governo pegar o imposto que o povo paga, e emprestar a juro amigo para os empresários "gerarem emprego", a Renda Mínima ataca o problema direto na veia. Do berço ao túmulo. Uma graninha garantida que garante sua sobrevivência, e não muito mais que isso. Quer algum luxo, tem que trabalhar.
A Terra vai ganhar dois bilhões de pessoas nas próximas três décadas. Com a tecnologia destruindo empregos no ritmo atual, há quem diga que metade –metade! – dos empregos que existem hoje não existirão em 2050. Simplesmente não vai ter gente suficiente na força de trabalho para bancar os aposentados.
Isso não precisa ser um problema, e precisa ser uma solução. Se computadores e máquinas fazem o trabalho, melhor pra gente – SE, e esse se é a chave, esse ganho de produtividade for dividido de maneira equânime entre todos nós, e não concentrado nos bolsos dos donos do capital. Eles não vão abrir mão de lucros cada vez maiores, claro. Se dependesse dos donos do dinheiro e do poder, não teria sido nem abolida a escravidão, muito menos existiria voto, salário mínimo etc. e tal.
É utopia? Bem, o Brasil vai pagar esse ano mais de R$ 500 bilhões em juros. Se em vez disso, a gente pegasse essa grana e dividisse igualmente por 205 milhões de brasileiros, cada um levaria R$ 2440 por ano, uns duzentos reais por mês. Parece pouco? É mais que o Bolsa Família, que comprovadamente tirou milhões de pessoas da miséria.
Vamos olhar de outra maneira. O salário médio do brasileiro é menos de dois mil reais. O salário mínimo é R$ 937. E de cada três aposentados, dois ganham isso, o mínimo, R$ 937. Então o impacto de um programa de Renda Mínima como esse seria gigantesco. E seria para todos os brasileiros, inclusive crianças. Em uma família de quatro pessoas, somaria quase dez mil reais por ano!
Estamos muito longe de tomarmos para nós os recursos públicos, que são nossos por direito? O sábio lá dizia que toda jornada começa com um primeiro passo. “Direito” não é uma coisa que possa ser dada. Direito é sempre conquistado, tomado, arrancado na marra. E é seu enquanto você conseguir defende-lo. Os brasileiros têm pouquíssimos direitos, e o governo de Michel Temer quer tirar esse pouco que temos. Resistir e derrotar a proposta de Temer é só o primeiro passo. Avançar para um novo modelo, de Renda Mínima, é o passo seguinte e necessário.
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