Com a cabeça
mais perto do lugar onde vivo. Amanhã, segunda-feira, pessoas do Rio se
manifestarão publicamente para protestar contra a chamada lei Ibsen. O projeto
de lei que afinal pune o Rio por ser, seguido do Espírito Santo, o principal
produtor de petróleo do país, é uma peça de demagogia igualitarista que
desrespeita decisões já sacramentadas e fere a constituição de 1988. Viajo a
trabalho para São Paulo e só por isso não estarei fisicamente presente ao encontro.
Se havia um
preto de quem Monteiro Lobato gostava (além de Tia Nastácia, apesar das
acusações não infundadas de racismo encontradiço na linguagem de seus livros),
esse preto era o petróleo. É um tema forte da minha infância o brado “o
petróleo é nosso”. Meu pai dizia que técnicos americanos tinham vindo estudar o
subsolo brasileiro e concluído que aqui não havia petróleo. Lobato, entre
outros, inclusive meu pai (e toda a esquerda nacionalista e anti-imperialista),
liberava a paranoia e afirmava que a conclusão dos técnicos era interessada e
que os poderosos do mundo estavam guardando o petróleo brasileiro para si e
para o futuro. O futuro nos disse que, afinal, o Brasil tinha, sim, petróleo.
Mas não era muito.
Paulo Francis adorava dizer que era menos do que de fato
era. Depois o Brasil roçou a autossuficiência. E não faz muito descobriu-se que
há muitíssimo mais óleo e gás nas profundezas das águas territoriais
brasileiras do que as mais alvissareiras descobertas da Bacia de Campos. Lula,
de modo consideravelmente sensato, sugeriu que os proventos dessas reservas
gigantescas fossem mais distribuídos entre os estados e municípios da União do
que a comparativamente pequena produção com que já se contava.
Mas a lei
proposta por Ibsen Pinheiro faz com que Macaé, com todo o gigantismo social e
infraestrutural que vem com a exploração local de muito petróleo, empobreça e
desorganize-se para que algum estado pobre receba mais pelo petróleo produzido
do que a cidade fluminense. Sou contra.
A cidade do
Rio de Janeiro, que já sofreu o grande baque de deixar de ser a capital federal
(não foi um mero baque psicológico narcísico: foi também — e principalmente —
queda econômica); que já teve de se revirar para absorver os efeitos da fusão;
que enfrenta com surpreendente determinação a perda de territórios para
chefetes de gangues criminosas não merece ser tratada pelo poder federal com
tamanho desleixo.
Se o Legislativo adotou a jogada demagógica que assegura
sucessos eleitoreiros regionais, que o Executivo responda com altivez: que
Dilma vete essa lei ou pressione para permitir uma discussão de médio prazo. E
se não for o Executivo, que então seja o Judiciário. Esse Judiciário que
brilhou com o discurso sóbrio de Joaquim Barbosa, o primeiro presidente negro
do Supremo, assunto sobre o qual não se sabe o que diria Monteiro Lobato.
O grito de
Lobato (que virou até título de chanchada da Atlântida, com Violeta Ferraz
chanchando mais do que todos) deve ser ouvido hoje como um grão de sal. Na
verdade, dadas as dimensões da encrenca, como uma camada quase intransponível
de sal. A maldição do petróleo é uma evidência histórica. Com a exceção da
Noruega, os países que têm muito petróleo terminam escravos do ouro negro. A
compreensível admissão de que petróleo é produto estratégico leva à
centralização de sua exploração e comercialização.
O que propicia o crescimento
de tiranias vitalícias e/ou hereditárias, e a psicologia coletiva da
supermonocultura. Oligarquias oficiais enriquecem, e povos inteiros vivem na
pobreza e na adoração compulsória de seus chefes. Os EUA têm ojeriza ao comando
público (estatal) do que quer que seja (exceto, claro, a máquina de guerra).
Basta lembrar que, sendo o país mais rico do mundo, eles resistem ainda hoje a
ter algo que se assemelhe a saúde pública. Assim, o petróleo lá (coisa em que
eles vão em breve se tornar autossuficientes) é de extração privada e ponto
final.
O Brasil
felizmente não emburacou na onda ultraestatista em relação ao petróleo. Lula
manteve muito do que foi definido por FH. Ninguém foi contaminado pelo
privatismo histérico norte-americano, mas tampouco seguimos o modelo de Chávez.
Vários fatores fizeram com que tocássemos a autossuficiência. Agora a Petrobras
descobre que tem sérios problemas.
Que o maior deles não venha a ser um golpe
mortal no Rio e na harmonia da Federação. Senadores e deputados jogarem a
maioria dos estados e municípios contra o Rio e o Espírito Santo é desumano.
Contamos com a presidente, com o Supremo e com o bom senso. Que “o petróleo é
nosso” possa ser, por agora, um brado legítimo dos fluminenses e dos capixabas.
Grande Caetano. Parabéns!!!
E obrigado!!!
Observações: “(...) sendo o país mais rico do
mundo, (...)”. Não acredito que seja mais,
com uma dívida de mais de 17 trilhões de dólares.
“(...) Assim,
o petróleo lá (coisa em que eles vão em breve se tornar autossuficientes) (...)”.
Nunca serão. Com o consumo de mais de 20 milhões de
barris por dia e uma produção que não ultrapassa 8 milhões de barris dia. Eles
vão ter que atacar o Iraque todo sempre.